quarta-feira, 16 de junho de 2010

Aniversário de Salto e breve História Cultural

Cachoeira em Salto/SP

Salto! Da linda cascata,...

Sim, inicialmente deslumbrado pela beleza natural da região, Antônio Vieira Tavarez aqui viria a constituir seu sítio denominado Cachoeira e, não deixando herdeiros legais, pois os filhos se tornaram clérigos, passou as terras em regime de doação e estas serviriam para construir uma cidade de pequeno porte, mas de grande valor histórico e cultural (nisto, também Arte).

Histórico - entre outros fatores - pois há nela a junção dos importantes rios paulistas, Tietê e Jundiaí, que serviram ao desenvolvimento da região e crescimento territorial do país. Pode-se citar ainda o desenvolvimento industrial e mais recentemente o escolar.

Cultural pois em Salto existe o que se diz celeiro de artistas. O mais celebrado, Anselmo Duarte, interagiu com várias atividades do cinema, entre as quais, com maior destaque, na direção de filmes importantes como “O Pagador de Promessas” e “Vereda da Salvação”, e atuou brilhantemente em vários gêneros, desde comédia até drama. Alguém conhece a Turma da Mônica, do Mauricio de Sousa? Sim, é a resposta de grande parte das pessoas. E sabe, leitor e leitora, que um músico saltense fez músicas para tal turminha divertida? Foi o maestro Odmar do Amaral Gurgel (GAÓ) reconhecido ainda por compor e tocar dezenas de outras obras musicais sempre com grande brilho. Outro maestro saltense, Silvestre Pereira de Oliveira, com seu trabalho dedicado é citado internacionalmente, por sua importância, em catálogo estrangeiro. Ainda há o maestro Henrique Castellari que conduziu por décadas uma banda - iniciada por outros músicos em 1878 como Grêmio Musical Saltense. Nas artes visuais Flávio Pretti produziu painéis que fazem parte do hoje Complexo Turístico da Cachoeira. Pretti também trabalhou em vários níveis enquanto artista e produtor gráfico, mas isso é ponto para ser escrito em outro momento. Jota Silvestre, (site: http://jsilvestre.com) foi um precursor no rádio e televisão, com recordes de audiência.

Constata-se que Salto artisticamente é viva e hoje conta com grupos de música, de dança, de teatro, e outros artistas que elevam o padrão cultural da região. É comum conhecer pessoas de outras cidades e verificar que possuem uma espécie de inveja positiva. Afinal, nem todas possuem Banda Marcial antiquíssima na ativa com primorosa qualidade. Ou lembrando ainda - entre outras companhias de dança - o excelente grupo Faces Ocultas que foi convidado para apresentar-se na China. Os exemplos citados são ilustrações do nível atingido. Pequena - em tamanho territorial - Salto conta com vários escritores que fundaram a Academia Saltense de Letras. As Artes Plásticas se desenvolvem em ritmo crescente nos quesitos qualidade e quantidade. Há Museu, Conservatório e “Teatro novo” (não é só teatro, convém notar) - e poucas são as localidades que possuem um ou outro. A cidade também inova ao resgatar, em forma de parques, características naturais que causam encanto e espanto salutar - e nisso também há a ideia de Arte.

Sim, eu aprecio Artes e convido o leitor e leitora ainda a visitar http://culturasalto.blogspot.com onde existe informações sobre fatos mais recentes na área cultural da cidade.

Dito isso, que tal continuar com o processo artístico na cidade?

(publicado em: http://www.otrampolim.com.br/coluna/1182/arlindo-germano-nicolau/cultura/aniversario-de-salto-e-breve-historia-cultural - 16 de Junho de 2010 - Salto/SP)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Questão da Crítica

Cultura, Crítica e Desenvolvimento Humano
Que Cultura é todo o desenvolvimento humano já é sabido, mas quando se fala sobre esse termo normalmente costuma-se se referir ao campo das Artes. Este campo é vasto e engloba não só a Pintura, a Escultura, a Dança, o Teatro, a Música, a Literatura - para citar algumas Artes mais “antigas” -, mas também a Arquitetura, as Artes Marciais, o Cinema, a Fotografia, o Design, e, mais recentemente, a Arte-Digital, a Performance e outros muitos meios de expressividade que existem nas várias partes do planeta.

Privilegiados somos por estarmos inseridos em uma época em que o acesso à informação está um pouco mais amplo. Mesmo assim tal acesso só serve na medida em que se procura focalizá-lo de maneira a utilizar-se de sua propriedade de maneira a servir para o engrandecimento cultural de cada um de nós. Esse “de cada um” já se é, em parte, “feito” ao se nascer, mas pode ser “transformado” durante sua vivência. Cabe a cada um sim formalizar o potencial, a virtude que “herdou-se” ao nascer. E, ainda, reproduzir essa informação para outros meios e para outras pessoas e fazer assim que exista um progresso humanístico sempre aprimorado.

Existe uma grande efervescência cultural no sentido artístico que se manifesta constantemente. Exemplos de grandes artistas não são necessários citar, pois os mesmos mereceriam uma homenagem ampla e condigna por parte dos que amam as Artes. Convém lembrar, no entanto, que esse amor pelas Artes é também construído com o desenvolvimento de uma conduta pessoal e social que leva em conta a importância que os artistas têm no processo de promoção do saber inclusive. Esse saber é existente na medida em que promove o embate entre a percepção transmitida e a percepção recebida. Explicando: quando se se apropria de um determinado conhecimento, o ser humano sempre - ou quase sempre - o digere e o transforma em produto (conhecimento) que será seu para sempre. As Artes e os Artistas podem contribuir com a ampliação desse conhecimento e com sua real observância crítica.

Observância crítica é notar o que está aparentemente oculto, já que a palavra crítica, em seu real significado, quer dizer “mostrar aquilo que está oculto” - contrariamente a outro conceito que não está 100% correto e que diz que crítica é falar mal de algo ou então falar das características ruins ou de baixa qualidade desse algo ou mesmo de alguém. Quando se critica, portanto, se mostra o que não está muito apresentado. Quando se faz crítica pode-se fazer de maneira a mostrar a origem, a característica, a destinação, a importância do objeto ou da pessoa que se está em foco. Não é simplesmente colocar os pontos negativos em evidência.

Quem observa uma crítica pode e deve também fazer a sua crítica da crítica. Como? Ora, se se concorda simplesmente com o ponto de análise da crítica inicial fica-se comandado, mero instrumento e joguete das palavras. Antes é necessário compreender que na crítica podem existir intenções: elevar ou desmerecer o artista, o ato, a obra; manipular informações e dados para que a mentira passe a ser recebida como verdade; transformar o que é de um nível de qualidade em outro nível, qual seja maior ou menor; etc.

Finalizando, um ditado para pensar: “A crítica é fácil, difícil é a Arte.” Será?

(publicado em: http://www.otrampolim.com.br/ler-noticia/3/746/05-04-2010/a-questao-da-critica - 05 de Abril de 2010 - Salto/SP)

terça-feira, 2 de março de 2010

O que é um Ponto de Cultura? (continuando)

O que é um Ponto de Cultura (continuando)
Continuando o tema da Coluna anterior [e neste Blog] - de 12/02/2010 - temos a descrição breve de cada Ponto de Cultura de Salto/SP:

O Barros Junior propõe a realização de Oficinas Culturais em várias áreas artísticas objetivando conduzir os participantes para o despertar de uma carreira artística ou mesmo de produção de espetáculos. As crianças e jovens que participarão das Oficinas poderão desenvolver-se, portanto, tanto na área da Arte em si quanto na área Técnica de produção e elaboração de espetáculos. Os participantes terão contato com diversas manifestações sempre levando em conta a formação do bom caráter dos cidadãos e ainda conscientes da responsabilidade ambiental, pois esta também norteia o projeto aprovado.

A @FIM produzirá um belo resgate cultural sobre a vida e obra de Anselmo Duarte. Os participantes terão também apoio do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP) na área de Cinema para desenvolvimento desse trabalho. Aqui se verifica a importância das parcerias não só com o Poder Público.

O Corpo de Baile envolverá, além das pessoas que participarão do desenvolvimento artístico em Dança, os pais dessas pessoas numa espécie de colaboração e fazer produtivo no tocante ao processo de confecção de figurinos.

Todos os projetos podem aparentar serem simples e, no entanto, podem conduzir a bons resultados. Simples é algo que é realizado de maneira a não deixar lacunas. E, se realmente fossem simples de se realizar a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo poderia nem ter escolhido esses projetos. Poderia talvez ter buscado outros “difíceis” de execução e que aparentemente necessitassem de um maior apoio. Novamente: o que é simples só é assim quando bem conduzido e pode, no final, parecer realmente simples, mas todo o caminho que percorre nem sempre o é.

Dúvidas, acertos, melhoras nesse processo da implantação dos Pontos de Cultura de Salto ocorrerão. Que sirvam de aprendizado e de exemplo - quando bons - para que a cidade possa produzir sempre mais e mais Cultura. Aliás, Salto, se tivesse ainda outros projetos inscritos - além dos 4 encaminhados e 3 aprovados - poderia, quem sabe, contar ainda com um número maior de aprovados (embora talvez a Secretaria de Estado da Cultura pudesse, num dos seus critérios internos, aprovar segundo a regionalidade, ou seja, aprovar segundo uma quantidade de projetos por localidade ou quantidade populacional).

É salutar lembrar que existem ótimas companhias e grupos artísticos na cidade, ótimas idéias sempre são debatidas também. O que falta é um incremento cultural por parte de setores que não perceberam o que a Cultura, a Educação e a Cidadania conseguidas com a manifestação das Artes fazem.

Procurem informações sobre os Pontos de Cultura e sobre novos Editais para Pontos ou outras possibilidades correlatas em Arte e Cultura, como Bolsas, Apoios, Viagens, Concursos, e acompanhem o desenrolar dos trabalhos; verifiquem a possibilidade de estarem também produzindo projetos que possam ser contemplados e que possam ser úteis na transformação social que uma cidade e estância turística merece e pode alcançar; mas, acima ainda de tudo, o que se consegue com produção em Arte é o comprometimento “indireto” (em verdade, direto) com a cidadania.

Cultura é vida.

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&col=92&uid=454 - 24 de Fevereiro de 2010 - Salto/SP)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O que é um Ponto de Cultura?

O que é um Ponto de Cultura?
Recentemente Salto foi contemplada com a proclamação de 3 novos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo. Levando-se em conta que isso se deu através de Edital Público, e o número total de novos Pontos no Edital era para 300, pode-se ver que a cidade teve algo significativo: 1%. Entre 1188 projetos encaminhados, dos quais 4 eram de Salto, esse 1% poderá servir de parâmetro da qualidade artística que já existe na cidade. Vejamos então como isso se deu e o que o Ponto de Cultura é numa localidade.

Idealizado à população que já faz Cultura (esse fazer Cultura é um modo de expressar diversas coisas como, por exemplo: arte, resgate de procedimentos artesanais tradicionais em vias de esquecimento, aprimoramento de grupos artísticos diversos, consolidação da memória cultural imaterial, etc.) o Programa Cultura Viva, iniciado em 2004, procura trazer um aprimoramento das produções culturais realizadas muitas vezes com poucos recursos. Criado por Célio Turino durante o Ministério de Gilberto Gil, na Cultura, o programa Cultura Viva promove a cidadania através da Cultura e do resgate que esta identidade confere à própria localidade. E, melhor ainda: faz-se, portanto, Cultura com o próprio conjunto de fatores artísticos que cada região possui. Valoriza-se o meio, a localidade, o cidadão.

E Salto com isso? Ora a cidade encaminhou 4 projetos e teve 3 deles aprovados! Talvez por muito pouco não se conseguiu a totalidade, os 100% de aprovação. Os critérios de seleção dos Editais em vários níveis são feitos de maneira a contemplarem a grande diversidade existente nas cidades, nos estados, no país. Também os critérios para aprovação buscavam conferir entre os proponentes dos projetos aqueles que poderiam ter uma autonomia pós-execução do programa que é válido por 3 anos. Muitos e muitos projetos bons devem ter ficado de fora da seleção final; afinal muita gente faz o resgate cultural em sua região, muita gente promove a Cultura tradicional de sua localidade, de seus antepassados; muita gente realiza sua História através do convívio nas diversas manifestações artísticas. Mas eram apenas 300 desta vez... Lembrando que existem mais de 2 mil Pontos de Cultura no Brasil no presente momento.

O grande diferencial do programa que contempla os Pontos de Cultura é sua flexibilização perante a tão - e muito por vezes “cansada” - institucionalização burocrática da Cultura. Onde existe um grande processo para a produção por vezes pode existir também um grande entrave na condução e realização desse serviço, desse bem social. O caminho quase sempre trilhado pelos Pontos de Cultura é, em sua maioria, extremamente simples: adota-se um modelo de gestão em que a instituição ou proponente conduz sem muito entrave sua própria manifestação artística, sua quase idiossincrasia, sua quase ideologia cultural. Diz-se quase pois o meio social é sempre permeável e sempre está em mutação, em “refinamento”.

Três Pontos e três idéias:

Associação Cultural Corporação Musical Saltense
Ponto de Cultura - Espaço Cultural Barros Junior

Associação de Formação Infanto Juvenil Múltipla - @FIM
Anselminhos - Pagadores de Promessas

Corpo de Baile Cidade de Salto
Caminhos da Dança

Serão descritos os projetos na próxima oportunidade.

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&col=92&uid=373 - 12 de Fevereiro de 2010 - Salto/SP)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Andrés Segovia e o Violão Erudito

Andrés Segovia - ano 2000
Um grande músico ou artista muitas vezes tem que “remar contra a maré”, isto é, tem que seguir por caminhos conflitantes, adversos. Os que conseguem, a despeito disso, atingirem um nível superior artístico, são considerados gênios.

Andrés Segovia foi um desses artistas que conseguiu atingir o nível mais alto na sua área artística: a Música. Nasceu em Linares, Espanha, em 21 de Fevereiro de 1893 e morreria em Madri, em 3 de Junho de 1987. E desde muito cedo, aos 5 anos, já era fascinado pelo som do violão, conhecido na Espanha como guitarra. Dotado de uma pertinaz vontade própria foi contrário à idéia de sua família que considerava o violão um instrumento “vulgar”, pois este ainda não tinha o reconhecimento que só viria a ter justamente com Segovia. Instrumento que era tocado pelos ciganos espanhóis e que por isso era visto como um componente que nunca estaria dentro de uma orquestra ou mesmo que seria estudado em Universidades.

Segovia provou, no entanto, que esse instrumento que é de grande admiração popular na Espanha (e no Brasil) poderia ser sim parte integrante de orquestras e também passaria a ter peças especialmente escritas para ele. Uma das pessoas que escreveu para o violão foi o brasileiro Heitor Villa-Lobos, que, ao conhecer o espanhol violonista nos Estados Unidos, compôs-lhe os famosos hoje “12 Estudos”, que praticamente toda pessoa que se dedica ao instrumento em sua forma erudita passa a aprender.

Notadamente é interessante observar a carreira desse músico espanhol e perceber que, apesar de sua família preferir que ele estudasse violino ou piano, ele - como muitos sempre fazem - procurou o seu próprio caminho nas Artes. Isso, além de mostrar uma qualidade artística mostra a tenacidade de seu caráter para superar o “status quo” (estado pré-existente) que na época sua família procurava inculcar-lhe. Esse estado pré-existente sempre em verdade existe: é o estado daqueles que não estão abertos para o novo, para o inovador, para o auxiliar de uma nova postura, uma nova visão. As pessoas que tendem a ser inovadoras podem por vezes não conseguir desabrocharem-se por causas diversas - ver texto nesta coluna intitulado “Mozarts Assassinados” [e neste Blog] - ou ainda serem colocadas de lado em função especificamente dos que mais deveriam apoiar o seu progresso: é o famoso “santo de casa não faz milagre”.

Mas por que ainda Andrés Segovia persistiu então? Talvez ele tenha sido uma alma iluminada, pois quem ouve seu toque magistral reconhece que é música belissimamente tocada. Devemos agradecer a ele pela sua insistência, pois hoje o violão é instrumento com uma variedade de opções de toque, de técnicas, de produção de Arte. Aliás até no toque ele foi inovador, pois antecessores seus procuravam tocar as cordas do instrumento - com a mão que fica próxima da abertura da caixa, o círculo - apenas com a ponta dos dedos ou então somente com as unhas, mas Segovia percebeu que em determinadas obras ele poderia tocar com uma dessas formas mas também em outras poderia tocar com uma variedade que passava a incluir o toque de unha e polpa do dedo conjuntamente. Hoje isso parece pouco, mas, novamente, ao se ouvir Segovia passa-se a ter contato com outro nível de música. Pode-se não gostar do estilo dele, mas é difícil não se reconhecer como sendo Arte.

Conjuntamente com as novas possibilidades de timbre obtidos pelo toque então diferenciado o violonista espanhol procurou construtores de instrumento (os chamados Luthiers) para desenvolvimento de violões com maior amplitude sonora, pois em grandes espaços o volume tem que ser mais intenso. Alguns ainda dizem que Segovia tinha, entretanto, uma capacidade superior para conseguir um volume de som que outros não conseguiriam caso tocassem o mesmo instrumento. Isso é explicável pelo seu grande envolvimento na prática e, para efeito de informação, Segovia também lecionou até três meses antes de seu falecimento aos 94 anos. Seu último concerto foi em 1978, aos 85 anos. Quando perguntado por um seu amigo porque não diminuía a sua intensa atividade, respondeu: “Terei toda uma eternidade para descansar...”

Num LP que tenho do mestre, de 1973, em que ele interpreta composições de Johann Sebastian Bach - período barroco - há uma declaração que sintetiza o sentimento de muita gente que ouve esse artista que também é conhecido como “O Gênio Genial”: “Meu prezado e incomparável Andrés: Por que sua música e seu intenso amor pela música me dão uma misteriosa nostalgia que revela o mais sombrio de todos os aspectos da tristeza? Estou perguntando, e também eu sei, pois até eu estou sofrendo, de forma crucial, desde que o primeiro acorde de sua música chegou aos meus ouvidos.” - de Gabrielo D’Annunzio, poeta italiano, amigo de Segovia.

Além de grande artista Segovia foi um inovador em sua área. E isso é Arte: a inovação, a invenção, a busca, a descoberta, a concretização de um ideal. Podemos ser também artistas.

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&col=92&uid=277 - 01 de Fevereiro de 2010 - Salto/SP)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Artes e Música nas escolas - para quê?

Arte e Música nas escolas
Quase sempre quando se pergunta para que serve o estudo de Artes nas escolas se chega a uma resposta: para distrair e descansar das outras disciplinas. Opa! Será isso mesmo? E então agora que teremos também o ensino musical? Será mais uma matéria para distrair e descansar?

Artes, ou Educação Artística, em suas diversas linhas como Dança, Teatro, Cinema, entre outras, e Educação Musical são componentes curriculares que propõem um aumento qualitativo no ensino e consequente melhor formação das pessoas. Além disso, são matérias também relevantes para a formação de pessoas com necessidades especiais. Conjuntamente com as matérias chamadas úteis como Matemática e Português, por exemplo, as aulas em diferentes áreas artísticas são necessárias na medida de, como dito antes, promoverem melhor formação das pessoas; mas como?

Essas matérias são importantes ao conduzirem as pessoas a um mundo chamado criativo. Em síntese toda manifestação é criativa, tudo está sendo criado constantemente, mas especificamente no caso das áreas artísticas o que se obtém, comprovadamente, é uma maior utilização da imaginação. Essa atitude de se criar melhor embasamento na área imaginativa das pessoas possibilita, por exemplo, novas conquistas na área de design de produtos e mesmo na transmissão de informações, como no caso da publicidade – que, apesar de ser um meio quase sempre visto como comercial conta, também, com a característica de ser plausível de utilização ideológica ou pessoal.

A imaginação é base para transformações, sejam tecnológicas, sejam sociais, sejam educacionais ou ainda investigativas. Que seria da humanidade se não houvesse criatividade? Possivelmente ainda estaríamos na Idade da Pedra.

Também se sabe que a área artística pode ser um recurso interessante na inclusão de pessoas com necessidades especiais. Muitas pessoas desenvolvem-se muito bem em várias áreas artísticas sendo cegas, surdas, portadoras de mobilidade reduzida ou mesmo de nível mental com características especiais. Aliás, ao se tentar padronizar as pessoas como sendo portadoras de necessidades especiais não se está dizendo – ou não deveria se estar dizendo – que essas pessoas têm alguma característica inferior; em realidade o que há é uma ou mais características que a tornam mais apta a realizar certas atividades. Ninguém é melhor ou pior por ter nascido deste ou daquele jeito – e há de se lembrar que o futuro é o instante seguinte e, dele, nada sabemos – portanto o que temos a fazer é sempre procurar aprender com quem já possui, por exemplo, força de vontade para realizações; mesmo que essas realizações pareçam super-humanas. Devemos ter cuidado com o preconceito de achar que por alguma pessoa “deficiente” estar realizando uma tarefa ela é uma sobre-capaz. Não é bem assim; é simplesmente a sua vontade de realização que a torna capaz. O que incomoda e muito as pessoas chamadas “deficientes” é o sentimento de pena que as pessoas chamadas “normais” costumam ter. Ao invés de chamarem-se as pessoas de deficientes por que não se as chama de eficientes? Sempre seremos eficientes em algo e deficientes em outras coisas. Afinal então quem é deficiente?

Complementando a área de Educação então com as disciplinas artísticas o que criamos é uma sociedade mais apta a produzir inovações, sejam em Artes em geral ou outras áreas do conhecimento. A segmentação em “disciplinas” é uma invenção de alguns séculos apenas. O ensino se feito de maneira mais ampla possibilita ao indivíduo que ele torne-se um ser mais bem preparado para as diversas situações que enfrentará ao longo de sua existência.

Voltando para o ensino, pode-se perguntar então, se a área artística é uma área importante da formação humana, como isso não é bem visto pelas pessoas em geral? O que se tem de informação é que o ensino dessas áreas requer pessoas bem capacitadas para sua transmissão e também uma política de aplicação em que não fique restrita à área escolar. Com mais espetáculos, mais exposições, mais fontes de apreciação artística, se criará uma sociedade que, de fato, poderá apreciar e desejar apreciar Arte. E, consequentemente, o ensino de Artes poderá ganhar mais qualidade e mesmo desejo de aprendizado. Afinal o Brasil, inclusive, é um país dotado de grande qualidade cultural. Nossa formação com povos nativos e de várias origens do planeta torna-nos únicos. Nem se pode dizer que nosso país é uma colônia cultural como se tenta rotular, pois em grande parte o que ocorre é a exportação de nossa produção material e imaterial artística.

Exemplo de boa qualidade para finalizar? Um trecho da bela letra/música “Rosa”, de Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha:

“Tu és, divina e graciosa estátua majestosa
do amor, por Deus esculturada
e formada com o ardor,
da alma da mais linda flor, de mais ativo olor
e que na vida é a preferida pelo beija-flor.”

Qualidade artística brasileira e internacional. Que possamos conduzir a Educação escolar artística em conformidade com laços cada vez mais auspiciosos e produtivos. Que a Arte e a Música sejam enfim tomadas como realmente necessárias às pessoas.

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&uid=214 - 20 de Janeiro de 2010 - Salto/SP)

Ilustração que fiz para esta postagem: "Arte, Música, Escola, Acessibilidade" - 2010.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Arte e Catarse

Arte, Catarse, Limpeza, Superação
A purgação de sentimentos através da Arte é aquilo que se convencionou chamar (aproveitando o termo em grego) Catarse.

O termo aparece primeiramente na “Arte Poética”, do filósofo Aristóteles, no capítulo VI. Alude ao estado de purificação, de purgação dos sentimentos e emoções de uma pessoa através de obras trágicas, por exemplo.

Em Psicologia o termo serve para distinguir uma nova etapa do procedimento de cura de uma pessoa. Este procedimento se dá quando o paciente em tratamento se vê diante de um fato que faz com que ele expurgue (coloque para fora) através de sua fala ou outra manifestação (como em recursos terapêuticos artísticos) seus medos e anseios e isso o possibilita finalmente “reconhecer” um estágio que estava de certa forma adormecido em seu inconsciente e então isso o auxiliará no seu processo de cura.

Visto assim, qual o papel da Arte?

A Arte pode auxiliar servindo como promovedora de um estado de auto-realização através de seu processo de purificação. Exemplo: ao assistirmos uma peça teatral, um filme, ou termos contato com outras manifestações artísticas, em que determinada personagem central passa por dissabores – quase sempre “causados” por si mesma numa ação desmedida, ou seja, uma ação equivocada, que resulta num estado que é conhecido como peripécia e que consiste de passar de uma situação inesperada, repentina, de felicidade para infelicidade, por exemplo – essa personagem ganha a simpatia de quem acompanha a manifestação e, por ser uma ação que se enfrenta indiretamente através dessa representação artística, podemos sentir quase sempre um alívio ao término da obra. Esse alívio é a catarse.

Simplificando: primeiro ocorre a identificação com a personagem, depois essa personagem passa por momentos mais ou menos trágicos para, finalmente, superá-los – em alguns casos, não – e essa trajetória faz o espectador sentir-se aliviado, assemelhando a um processo terapêutico.

Os procedimentos artísticos então têm sua razão de existir além do simples prazer de entretenimento; é, antes ainda, um procedimento de busca de soluções e alívio de sensações não boas aos indivíduos.

Traçando um paralelo temos a teoria do Psicólogo norte-americano Abraham Maslow sobre a hierarquia de necessidades. Essa hierarquia colocaria numa pirâmide diferentes estágios de necessidades (e realizações) pessoais. Na base estariam as necessidades básicas de sobrevivência que seriam alimentação, sono e outras atividades fisiológicas. Subindo nessa pirâmide os outros estágios avançam pelas necessidades de segurança, como moradia e segurança do corpo, ainda por necessidades afetivas como relacionamentos interpessoais, necessidade de estima, como respeito mútuo, confiança, e mais adiante estariam as necessidades ligadas às realizações pessoais como soluções de problemas individuais e coletivos, e, então, as necessidades estéticas como Arte.

Visto desta forma – através da leitura dessa pirâmide – poderia se concluir que as pessoas só apreciariam a Arte quando estivessem satisfeitas de outras necessidades. No entanto o que se verifica em alguns casos é que alguns indivíduos prezam muito o fator de preencherem sua necessidade de realização pessoal e também estética em primeiro lugar. Essa aparente inversão dos níveis da pirâmide pode ser explicada – em alguns indivíduos – naquilo que se pode rotular de sensibilidade aguçada. Mas não é por isso, nem para isso, que a Arte unicamente tem seu papel. O papel da Arte é antes ainda servir de realização humana. A Arte pode ser terapêutica, pode ser entretenimento (por que não?), pode ser meio de sobrevivência financeira, pode ser meio de desenvolvimento pessoal, pode ser resgate de valores, pode ser sinônimo de autonomia.

Podemos fazer e apreciar Arte em suas diferentes manifestações e compartilhar desse saber distinto humano, dessa fonte de vida, prazer, educação e congraçamento. Utilizemos o potencial que existe em nós para sermos não meros joguetes numa base piramidal; façamos com que as necessidades possam ser cumpridas e apreciemos Arte no seu devido valor. Realizemo-nos – catarticamente e artisticamente.

"Um músico deve compor, um artista deve pintar, um poeta deve escrever, caso pretendam deixar seu coração em paz. O que um homem pode ser, ele deve ser. A essa necessidade podemos dar o nome de auto-realização." – Abraham Harold Maslow (1908 – 1970).

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&uid=161 - 11 de Janeiro de 2010 - Salto/SP)

Ilustração que fiz para esta postagem: "Arte, Catarse, Limpeza, Superação" - 2010.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Arte e Dor

Vincent
Autopsicografia - Fernando Pessoa -

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa, como todo grande poeta e artista, procura nesse poema mostrar que a sua condição de poeta o permite demonstrar a dor que sente de uma maneira que é, hoje, reconhecida como artística. Mas, o grande poeta português para elaborar tal poema teve de fato que sofrer alguma dor ou é só invenção de sua frutuosa mente?

A Psicologia nos mostra que a dor, quando muito intensa, não pode ser simplesmente sanada com doses de otimismo ou mesmo com remédios diversos – essas ações podem auxiliar, mas também podem não ser a solução adequada.

A Arte em geral pode auxiliar em “tratamentos” de dor intensa – a dor em que a pessoa chega ao estado de depressão. Mas como?

Em várias áreas que cuidam das pessoas utilizando meios artísticos, como Pinturas em sanatórios (que foi grandemente desenvolvida no Brasil através da médica Nise da Silveira – Maceió, 15 de fevereiro de 1906 / Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999), os objetivos são, em geral, de busca e compreensão do que está ocorrendo com a pessoa para depois, somente depois, procurar “prescrever” alguma terapia condizente com o indivíduo.

O que também para uma pessoa pode ter grande resultado com música auxiliando-a a ficar mais calma, por exemplo, em outra pessoa pode não ter o mesmo efeito e, então, o tratamento não deve ser o mesmo, ou seja, para cada situação, para cada ser humano, uma música que sintonize-se com sua condição.

Para tanto, um exemplo: se a pessoa por vezes está extremamente angustiada ou triste, não se pode afirmar que ela sairá desse estado simplesmente procurando colocar para ela ouvir músicas com tom mais alegre e festivo; pois, por vezes, a pessoa “necessita encontrar-se antes” e isso, em alguns casos, é feito com músicas que tem um tom mais triste para depois que a pessoa conseguiu entrar em sintonia com esse estado musical poder ser trabalhado o lado mais alegre da ação com música.

Não se quer aqui, com este artigo, afirmar ou prescrever qualquer ação em Música ou outras áreas artísticas. Para isso existem os profissionais capacitados; mas convém lembrar que a Arte pode sim auxiliar na saída de um quadro depressivo ou de apatia.

Continuando, no paralelo entre Arte e Dor, muitos casos de artistas que tornaram-se grandes referências, e, se se notar sua trajetória de vida se verá que foram pessoas que passaram por grandes dissabores. Nem todo grande artista porém tem que obrigatoriamente ter sido uma pessoa depressiva em determinado momento de sua vida, mas... quando um pessoa tem algum grau de introspecção muito intenso ou mesmo chegando ao quadro depressivo pode ser que essa pessoa produza algo em Artes quando estiver saindo do quadro depressivo. Por isso também, pela possibilidade de expressão num nível em que a pessoa pode estar mais livre com a Arte é que as terapias estão voltando-se para os recursos de Pintura, Música, Dança e outras manifestações.

Não basta porém acreditar que a Arte pode curar todo mundo e pronto. Cada caso é um caso e isso tem que ficar bem dito e compreendido.

Finalizando uma nota aprendida com um Professor e Psicólogo: quando a pessoa está no quadro depressivo extremo – ou seja, no fundo do poço – não é sempre que ela consegue reunir forças para sair dessa situação; no entanto, quando ela já demonstrar que está reunindo forças também deve-se ficar bem atento com ela, procurando compreender o que ela está buscando, e se essa busca resultará em algo bom ou algo ruim, pois, nesse momento, ela sai com uma capacidade criativa e de força em geral que poder ser produtiva ou destrutiva. Sim, o momento em que devemos ter bastante atenção quando a pessoa está deprimida é, em verdade, quando ela está saindo dessa depressão pois ela nem sempre conseguirá ter um controle “lúcido” das energias que a estão impulsionando nesse momento.

Sair de um quadro depressivo, portanto, é extremamente necessário, mas sempre deve-se atentar para essa peculiaridade da força que a pessoa adquire e manifesta ser criadora ou destrutiva.

A Arte pode contribuir para diminuir a dor e, portanto, essa é mais uma característica que devemos levar em conta ao apreciar os grandes feitos de grandes artistas – talvez eles sirvam de exemplo enquanto pessoas que passaram por momento difíceis e que conseguiram superar através de sua Arte.

Como sugestão conheçam o trabalho de Nise da Silveira, a médica brasileira que revolucionou o tratamento de doentes mentais:

http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/

“Na arte de viver, o homem é ao mesmo tempo o artista e o objeto de sua arte, é o escultor e o mármore, o médico e o paciente.”
(Erich Fromm)

“A única diferença entre mim e o louco, é que eu não sou louco".
(Salvador Dali)

(publicado no Jornal "ExpressArte" - edição número 6 - Janeiro de 2010 - Salto/SP)


Imagem para esta postagem: "Vincent" - Óleo sobre tela - 1993 - de minha própria autoria.