quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Arte e Dor

Vincent
Autopsicografia - Fernando Pessoa -

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa, como todo grande poeta e artista, procura nesse poema mostrar que a sua condição de poeta o permite demonstrar a dor que sente de uma maneira que é, hoje, reconhecida como artística. Mas, o grande poeta português para elaborar tal poema teve de fato que sofrer alguma dor ou é só invenção de sua frutuosa mente?

A Psicologia nos mostra que a dor, quando muito intensa, não pode ser simplesmente sanada com doses de otimismo ou mesmo com remédios diversos – essas ações podem auxiliar, mas também podem não ser a solução adequada.

A Arte em geral pode auxiliar em “tratamentos” de dor intensa – a dor em que a pessoa chega ao estado de depressão. Mas como?

Em várias áreas que cuidam das pessoas utilizando meios artísticos, como Pinturas em sanatórios (que foi grandemente desenvolvida no Brasil através da médica Nise da Silveira – Maceió, 15 de fevereiro de 1906 / Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999), os objetivos são, em geral, de busca e compreensão do que está ocorrendo com a pessoa para depois, somente depois, procurar “prescrever” alguma terapia condizente com o indivíduo.

O que também para uma pessoa pode ter grande resultado com música auxiliando-a a ficar mais calma, por exemplo, em outra pessoa pode não ter o mesmo efeito e, então, o tratamento não deve ser o mesmo, ou seja, para cada situação, para cada ser humano, uma música que sintonize-se com sua condição.

Para tanto, um exemplo: se a pessoa por vezes está extremamente angustiada ou triste, não se pode afirmar que ela sairá desse estado simplesmente procurando colocar para ela ouvir músicas com tom mais alegre e festivo; pois, por vezes, a pessoa “necessita encontrar-se antes” e isso, em alguns casos, é feito com músicas que tem um tom mais triste para depois que a pessoa conseguiu entrar em sintonia com esse estado musical poder ser trabalhado o lado mais alegre da ação com música.

Não se quer aqui, com este artigo, afirmar ou prescrever qualquer ação em Música ou outras áreas artísticas. Para isso existem os profissionais capacitados; mas convém lembrar que a Arte pode sim auxiliar na saída de um quadro depressivo ou de apatia.

Continuando, no paralelo entre Arte e Dor, muitos casos de artistas que tornaram-se grandes referências, e, se se notar sua trajetória de vida se verá que foram pessoas que passaram por grandes dissabores. Nem todo grande artista porém tem que obrigatoriamente ter sido uma pessoa depressiva em determinado momento de sua vida, mas... quando um pessoa tem algum grau de introspecção muito intenso ou mesmo chegando ao quadro depressivo pode ser que essa pessoa produza algo em Artes quando estiver saindo do quadro depressivo. Por isso também, pela possibilidade de expressão num nível em que a pessoa pode estar mais livre com a Arte é que as terapias estão voltando-se para os recursos de Pintura, Música, Dança e outras manifestações.

Não basta porém acreditar que a Arte pode curar todo mundo e pronto. Cada caso é um caso e isso tem que ficar bem dito e compreendido.

Finalizando uma nota aprendida com um Professor e Psicólogo: quando a pessoa está no quadro depressivo extremo – ou seja, no fundo do poço – não é sempre que ela consegue reunir forças para sair dessa situação; no entanto, quando ela já demonstrar que está reunindo forças também deve-se ficar bem atento com ela, procurando compreender o que ela está buscando, e se essa busca resultará em algo bom ou algo ruim, pois, nesse momento, ela sai com uma capacidade criativa e de força em geral que poder ser produtiva ou destrutiva. Sim, o momento em que devemos ter bastante atenção quando a pessoa está deprimida é, em verdade, quando ela está saindo dessa depressão pois ela nem sempre conseguirá ter um controle “lúcido” das energias que a estão impulsionando nesse momento.

Sair de um quadro depressivo, portanto, é extremamente necessário, mas sempre deve-se atentar para essa peculiaridade da força que a pessoa adquire e manifesta ser criadora ou destrutiva.

A Arte pode contribuir para diminuir a dor e, portanto, essa é mais uma característica que devemos levar em conta ao apreciar os grandes feitos de grandes artistas – talvez eles sirvam de exemplo enquanto pessoas que passaram por momento difíceis e que conseguiram superar através de sua Arte.

Como sugestão conheçam o trabalho de Nise da Silveira, a médica brasileira que revolucionou o tratamento de doentes mentais:

http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/

“Na arte de viver, o homem é ao mesmo tempo o artista e o objeto de sua arte, é o escultor e o mármore, o médico e o paciente.”
(Erich Fromm)

“A única diferença entre mim e o louco, é que eu não sou louco".
(Salvador Dali)

(publicado no Jornal "ExpressArte" - edição número 6 - Janeiro de 2010 - Salto/SP)


Imagem para esta postagem: "Vincent" - Óleo sobre tela - 1993 - de minha própria autoria.

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