sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O que é um Ponto de Cultura?

O que é um Ponto de Cultura?
Recentemente Salto foi contemplada com a proclamação de 3 novos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo. Levando-se em conta que isso se deu através de Edital Público, e o número total de novos Pontos no Edital era para 300, pode-se ver que a cidade teve algo significativo: 1%. Entre 1188 projetos encaminhados, dos quais 4 eram de Salto, esse 1% poderá servir de parâmetro da qualidade artística que já existe na cidade. Vejamos então como isso se deu e o que o Ponto de Cultura é numa localidade.

Idealizado à população que já faz Cultura (esse fazer Cultura é um modo de expressar diversas coisas como, por exemplo: arte, resgate de procedimentos artesanais tradicionais em vias de esquecimento, aprimoramento de grupos artísticos diversos, consolidação da memória cultural imaterial, etc.) o Programa Cultura Viva, iniciado em 2004, procura trazer um aprimoramento das produções culturais realizadas muitas vezes com poucos recursos. Criado por Célio Turino durante o Ministério de Gilberto Gil, na Cultura, o programa Cultura Viva promove a cidadania através da Cultura e do resgate que esta identidade confere à própria localidade. E, melhor ainda: faz-se, portanto, Cultura com o próprio conjunto de fatores artísticos que cada região possui. Valoriza-se o meio, a localidade, o cidadão.

E Salto com isso? Ora a cidade encaminhou 4 projetos e teve 3 deles aprovados! Talvez por muito pouco não se conseguiu a totalidade, os 100% de aprovação. Os critérios de seleção dos Editais em vários níveis são feitos de maneira a contemplarem a grande diversidade existente nas cidades, nos estados, no país. Também os critérios para aprovação buscavam conferir entre os proponentes dos projetos aqueles que poderiam ter uma autonomia pós-execução do programa que é válido por 3 anos. Muitos e muitos projetos bons devem ter ficado de fora da seleção final; afinal muita gente faz o resgate cultural em sua região, muita gente promove a Cultura tradicional de sua localidade, de seus antepassados; muita gente realiza sua História através do convívio nas diversas manifestações artísticas. Mas eram apenas 300 desta vez... Lembrando que existem mais de 2 mil Pontos de Cultura no Brasil no presente momento.

O grande diferencial do programa que contempla os Pontos de Cultura é sua flexibilização perante a tão - e muito por vezes “cansada” - institucionalização burocrática da Cultura. Onde existe um grande processo para a produção por vezes pode existir também um grande entrave na condução e realização desse serviço, desse bem social. O caminho quase sempre trilhado pelos Pontos de Cultura é, em sua maioria, extremamente simples: adota-se um modelo de gestão em que a instituição ou proponente conduz sem muito entrave sua própria manifestação artística, sua quase idiossincrasia, sua quase ideologia cultural. Diz-se quase pois o meio social é sempre permeável e sempre está em mutação, em “refinamento”.

Três Pontos e três idéias:

Associação Cultural Corporação Musical Saltense
Ponto de Cultura - Espaço Cultural Barros Junior

Associação de Formação Infanto Juvenil Múltipla - @FIM
Anselminhos - Pagadores de Promessas

Corpo de Baile Cidade de Salto
Caminhos da Dança

Serão descritos os projetos na próxima oportunidade.

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&col=92&uid=373 - 12 de Fevereiro de 2010 - Salto/SP)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Andrés Segovia e o Violão Erudito

Andrés Segovia - ano 2000
Um grande músico ou artista muitas vezes tem que “remar contra a maré”, isto é, tem que seguir por caminhos conflitantes, adversos. Os que conseguem, a despeito disso, atingirem um nível superior artístico, são considerados gênios.

Andrés Segovia foi um desses artistas que conseguiu atingir o nível mais alto na sua área artística: a Música. Nasceu em Linares, Espanha, em 21 de Fevereiro de 1893 e morreria em Madri, em 3 de Junho de 1987. E desde muito cedo, aos 5 anos, já era fascinado pelo som do violão, conhecido na Espanha como guitarra. Dotado de uma pertinaz vontade própria foi contrário à idéia de sua família que considerava o violão um instrumento “vulgar”, pois este ainda não tinha o reconhecimento que só viria a ter justamente com Segovia. Instrumento que era tocado pelos ciganos espanhóis e que por isso era visto como um componente que nunca estaria dentro de uma orquestra ou mesmo que seria estudado em Universidades.

Segovia provou, no entanto, que esse instrumento que é de grande admiração popular na Espanha (e no Brasil) poderia ser sim parte integrante de orquestras e também passaria a ter peças especialmente escritas para ele. Uma das pessoas que escreveu para o violão foi o brasileiro Heitor Villa-Lobos, que, ao conhecer o espanhol violonista nos Estados Unidos, compôs-lhe os famosos hoje “12 Estudos”, que praticamente toda pessoa que se dedica ao instrumento em sua forma erudita passa a aprender.

Notadamente é interessante observar a carreira desse músico espanhol e perceber que, apesar de sua família preferir que ele estudasse violino ou piano, ele - como muitos sempre fazem - procurou o seu próprio caminho nas Artes. Isso, além de mostrar uma qualidade artística mostra a tenacidade de seu caráter para superar o “status quo” (estado pré-existente) que na época sua família procurava inculcar-lhe. Esse estado pré-existente sempre em verdade existe: é o estado daqueles que não estão abertos para o novo, para o inovador, para o auxiliar de uma nova postura, uma nova visão. As pessoas que tendem a ser inovadoras podem por vezes não conseguir desabrocharem-se por causas diversas - ver texto nesta coluna intitulado “Mozarts Assassinados” [e neste Blog] - ou ainda serem colocadas de lado em função especificamente dos que mais deveriam apoiar o seu progresso: é o famoso “santo de casa não faz milagre”.

Mas por que ainda Andrés Segovia persistiu então? Talvez ele tenha sido uma alma iluminada, pois quem ouve seu toque magistral reconhece que é música belissimamente tocada. Devemos agradecer a ele pela sua insistência, pois hoje o violão é instrumento com uma variedade de opções de toque, de técnicas, de produção de Arte. Aliás até no toque ele foi inovador, pois antecessores seus procuravam tocar as cordas do instrumento - com a mão que fica próxima da abertura da caixa, o círculo - apenas com a ponta dos dedos ou então somente com as unhas, mas Segovia percebeu que em determinadas obras ele poderia tocar com uma dessas formas mas também em outras poderia tocar com uma variedade que passava a incluir o toque de unha e polpa do dedo conjuntamente. Hoje isso parece pouco, mas, novamente, ao se ouvir Segovia passa-se a ter contato com outro nível de música. Pode-se não gostar do estilo dele, mas é difícil não se reconhecer como sendo Arte.

Conjuntamente com as novas possibilidades de timbre obtidos pelo toque então diferenciado o violonista espanhol procurou construtores de instrumento (os chamados Luthiers) para desenvolvimento de violões com maior amplitude sonora, pois em grandes espaços o volume tem que ser mais intenso. Alguns ainda dizem que Segovia tinha, entretanto, uma capacidade superior para conseguir um volume de som que outros não conseguiriam caso tocassem o mesmo instrumento. Isso é explicável pelo seu grande envolvimento na prática e, para efeito de informação, Segovia também lecionou até três meses antes de seu falecimento aos 94 anos. Seu último concerto foi em 1978, aos 85 anos. Quando perguntado por um seu amigo porque não diminuía a sua intensa atividade, respondeu: “Terei toda uma eternidade para descansar...”

Num LP que tenho do mestre, de 1973, em que ele interpreta composições de Johann Sebastian Bach - período barroco - há uma declaração que sintetiza o sentimento de muita gente que ouve esse artista que também é conhecido como “O Gênio Genial”: “Meu prezado e incomparável Andrés: Por que sua música e seu intenso amor pela música me dão uma misteriosa nostalgia que revela o mais sombrio de todos os aspectos da tristeza? Estou perguntando, e também eu sei, pois até eu estou sofrendo, de forma crucial, desde que o primeiro acorde de sua música chegou aos meus ouvidos.” - de Gabrielo D’Annunzio, poeta italiano, amigo de Segovia.

Além de grande artista Segovia foi um inovador em sua área. E isso é Arte: a inovação, a invenção, a busca, a descoberta, a concretização de um ideal. Podemos ser também artistas.

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&col=92&uid=277 - 01 de Fevereiro de 2010 - Salto/SP)