segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Arte e Catarse

Arte, Catarse, Limpeza, Superação
A purgação de sentimentos através da Arte é aquilo que se convencionou chamar (aproveitando o termo em grego) Catarse.

O termo aparece primeiramente na “Arte Poética”, do filósofo Aristóteles, no capítulo VI. Alude ao estado de purificação, de purgação dos sentimentos e emoções de uma pessoa através de obras trágicas, por exemplo.

Em Psicologia o termo serve para distinguir uma nova etapa do procedimento de cura de uma pessoa. Este procedimento se dá quando o paciente em tratamento se vê diante de um fato que faz com que ele expurgue (coloque para fora) através de sua fala ou outra manifestação (como em recursos terapêuticos artísticos) seus medos e anseios e isso o possibilita finalmente “reconhecer” um estágio que estava de certa forma adormecido em seu inconsciente e então isso o auxiliará no seu processo de cura.

Visto assim, qual o papel da Arte?

A Arte pode auxiliar servindo como promovedora de um estado de auto-realização através de seu processo de purificação. Exemplo: ao assistirmos uma peça teatral, um filme, ou termos contato com outras manifestações artísticas, em que determinada personagem central passa por dissabores – quase sempre “causados” por si mesma numa ação desmedida, ou seja, uma ação equivocada, que resulta num estado que é conhecido como peripécia e que consiste de passar de uma situação inesperada, repentina, de felicidade para infelicidade, por exemplo – essa personagem ganha a simpatia de quem acompanha a manifestação e, por ser uma ação que se enfrenta indiretamente através dessa representação artística, podemos sentir quase sempre um alívio ao término da obra. Esse alívio é a catarse.

Simplificando: primeiro ocorre a identificação com a personagem, depois essa personagem passa por momentos mais ou menos trágicos para, finalmente, superá-los – em alguns casos, não – e essa trajetória faz o espectador sentir-se aliviado, assemelhando a um processo terapêutico.

Os procedimentos artísticos então têm sua razão de existir além do simples prazer de entretenimento; é, antes ainda, um procedimento de busca de soluções e alívio de sensações não boas aos indivíduos.

Traçando um paralelo temos a teoria do Psicólogo norte-americano Abraham Maslow sobre a hierarquia de necessidades. Essa hierarquia colocaria numa pirâmide diferentes estágios de necessidades (e realizações) pessoais. Na base estariam as necessidades básicas de sobrevivência que seriam alimentação, sono e outras atividades fisiológicas. Subindo nessa pirâmide os outros estágios avançam pelas necessidades de segurança, como moradia e segurança do corpo, ainda por necessidades afetivas como relacionamentos interpessoais, necessidade de estima, como respeito mútuo, confiança, e mais adiante estariam as necessidades ligadas às realizações pessoais como soluções de problemas individuais e coletivos, e, então, as necessidades estéticas como Arte.

Visto desta forma – através da leitura dessa pirâmide – poderia se concluir que as pessoas só apreciariam a Arte quando estivessem satisfeitas de outras necessidades. No entanto o que se verifica em alguns casos é que alguns indivíduos prezam muito o fator de preencherem sua necessidade de realização pessoal e também estética em primeiro lugar. Essa aparente inversão dos níveis da pirâmide pode ser explicada – em alguns indivíduos – naquilo que se pode rotular de sensibilidade aguçada. Mas não é por isso, nem para isso, que a Arte unicamente tem seu papel. O papel da Arte é antes ainda servir de realização humana. A Arte pode ser terapêutica, pode ser entretenimento (por que não?), pode ser meio de sobrevivência financeira, pode ser meio de desenvolvimento pessoal, pode ser resgate de valores, pode ser sinônimo de autonomia.

Podemos fazer e apreciar Arte em suas diferentes manifestações e compartilhar desse saber distinto humano, dessa fonte de vida, prazer, educação e congraçamento. Utilizemos o potencial que existe em nós para sermos não meros joguetes numa base piramidal; façamos com que as necessidades possam ser cumpridas e apreciemos Arte no seu devido valor. Realizemo-nos – catarticamente e artisticamente.

"Um músico deve compor, um artista deve pintar, um poeta deve escrever, caso pretendam deixar seu coração em paz. O que um homem pode ser, ele deve ser. A essa necessidade podemos dar o nome de auto-realização." – Abraham Harold Maslow (1908 – 1970).

(publicado em: http://otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&uid=161 - 11 de Janeiro de 2010 - Salto/SP)

Ilustração que fiz para esta postagem: "Arte, Catarse, Limpeza, Superação" - 2010.

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